Crise na habitação: "Temos ajudado os investidores imobiliários a adaptarem-se às legislações", diz a advogada Catarina Almeida Garrett, da AGPC. 20 ago 2024 min de leitura Esta é a história de duas advogadas portuguesas que se juntaram para apoiar investidores estrangeiros. Catarina Almeida Garrett e Filipa Pinto de Carvalho criaram, em 2016, a sociedade AGPC (de Almeida Garrett e Pinto de Carvalho), que está “orientada essencialmente para assessorar o cliente e investidor internacional”, nomeadamente no setor imobiliário, revela Catarina em entrevista ao idealista/news. “Temos acompanhado de perto as operações imobiliárias e ajudado os investidores a adaptarem-se às novas legislações”, acrescenta, salientando que há muitos clientes/investidores estrangeiros “interessados em combater o problema” da crise na habitação no qual se encontra o país. “A falta de planeamento a médio e longo prazo que previsse limitações e estratégia na habitação fez com que a situação da habitação se agravasse, sem controlo do mercado do Alojamento Local e da especulação imobiliária. Isto não quer dizer, contudo, que os investidores e beneficiários não possam contribuir para aumentar a oferta de habitação, podendo canalizar-se os investimentos para a construção de custos controlados, promover os incentivos para habitação de renda acessível, entre outras medidas”, adianta a advogada. Catarina Almeida Garrett garante, de resto, que a AGPC tem clientes investidores interessados, por exemplo, “em projetos de residências de estudantes, em iniciativas relacionadas com a (re)construção de imóveis com rendas acessíveis para as famílias, em poderem fazer parte de projetos que ajudem as comunidades locais”. Entre os vários temas abordados na entrevista está também o fim do regime para Residentes Não Habituais (RNH), nos antigos termos, e dos vistos gold para investimento imobiliário. Para a cofundadora da AGPC, “o fim dos vistos gold teve um impacto relevante para o abrandamento no setor, via direta e indireta (através dos fundos de investimento)”. “Relativamente ao regime RNH, não vimos que tivesse um impacto imediato no setor imobiliário em termos de aquisição”, argumenta. Freepik A AGPC foi constituída em 2016. Que balanço faz da atividade da empresa? Sendo a AGPC uma boutique ‘law-firm’ e orientada essencialmente para assessorar o cliente e investidor internacional, podemos afirmar com orgulho que o balanço é bastante positivo e a empresa tem vindo a crescer e a aumentar a equipa desde que arrancou. No início do ano, expandimos a equipa e somos atualmente oito pessoas. Planeamos continuar a aumentá-la até final do ano e estamos a estender os serviços ao mercado espanhol, para assessorar clientes internacionais interessados na região ibérica ou especificamente nesse mercado. Estamos também a expandir as áreas de especialização, com foco, este ano, no empreendedorismo e não apenas do lado do empreendedor, mas também do investidor, especialmente em termos de fundos ou grupos interessados em startups ou operações de rondas de investimento. Além disso, temos acompanhado de perto as operações imobiliárias e ajudado os investidores a adaptarem-se às novas legislações. Outro objetivo é aumentar e melhorar a nossa expertise, tornando-nos uma referência no mercado estrangeiro, sobretudo no que diz respeito à fiscalidade internacional. Pretendemos destacar ainda mais o facto de oferecermos assessoria fiscal internacional, ao cruzar legislações fiscais de Portugal, EUA, Reino Unido e Brasil, permitindo aos clientes terem uma visão completa de como poderão ser tributados. A Catarina, tal como a Filipa, também cofundadora da AGPC, é advogada. Como se deu esta união/parceria? Temos em comum o facto de termos trabalhado como advogadas em projetos de assessoria a clientes estrangeiros. Estive a viver em São Paulo e a Filipa trabalhou em Lisboa com investidores e empreendedores estrangeiros, numa fase em que este setor teve um crescimento significativo. Essa experiência com esses clientes que estão a contactar pela primeira vez com um novo país mostrou-nos o quanto precisam e valorizam um acompanhamento abrangente, não só em termos de concretização dos objetivos de investimento e negócio, mas também no que respeita ao acesso a parceiros de confiança. Em paralelo, são pessoas que têm de organizar a vida pessoal, nomeadamente no que respeita às necessidades das famílias e outras áreas do dia a dia, desde a educação à saúde, procurando uma experiência o mais organizada e tranquila possível. "Em termos de serviços jurídicos, somos especializados nas áreas da imigração, corporate e fiscalidade, contudo, procuramos ter uma visão holística das necessidades de cada cliente no que respeita a outras áreas. Além de trazer investimento para Portugal, promovemos relações harmoniosas entre os clientes e as comunidades locais" Perante este cenário, decidimos criar a AGPC, uma sociedade de advogados que fornece um apoio completo. Em termos de serviços jurídicos, somos especializados nas áreas da imigração, corporate e fiscalidade, contudo, procuramos ter uma visão holística das necessidades de cada cliente no que respeita a outras áreas. Além de trazer investimento para Portugal, promovemos relações harmoniosas entre os clientes e as comunidades locais. A nossa missão é garantir uma adaptação e integração transversais, tornando a experiência do cliente uma jornada enriquecedora e mutuamente benéfica. Temos várias parcerias com entidades que visam precisamente esse objetivo, nomeadamente com a RedBridge Lisbon, um projeto de empreendedorismo transfronteiriço Califórnia-Portugal fundado por um grupo diversificado de inovadores internacionais, fundadores, tecnólogos, escritores, artistas e criadores que se uniu com o objetivo de promover o mais alto nível de empreendedorismo e inovação entre os dois locais. A Filipa é uma das fundadoras e na primavera de 2022, juntamente com os restantes fundadores, começou a organizar eventos regulares e inspiradores em Lisboa e São Francisco onde se abordam temas relevantes para os membros e se fomentam novas parcerias e projetos. Foto de RDNE Stock project on Pexels Trata-se de uma empresa que ajuda/apoia investidores estrangeiros a investir e/ou estabelecer-se em Portugal, certo? Como? Que tipo de serviços presta? Os clientes valorizam uma visão clara do mercado, incluindo procedimentos, regulamentações e oportunidades de negócio. Oferecemos apoio em áreas essenciais como: Fiscalidade, auxiliando na compreensão e no cumprimento das obrigações fiscais em Portugal; Imigração, prestando serviços completos para processos de vistos e autorizações de residência; Estruturação de negócios, ajudando na formação e organização de empresas assim como no lançamento a nível europeu do negócio já existente. Além disso, entendemos que a logística de mudança para um novo país pode ser complexa, especialmente para quem está a conhecer Portugal pela primeira vez e, por isso, adotámos uma visão holística perante as necessidades dos clientes: oferecemos também serviços essenciais de apoio à realocação das famílias e temos um serviço de healthcare concierge, para garantir uma transição tranquila e bem-sucedida. "95% dos clientes são internacionais, sendo que mais de 80% são norte-americanos, com a maior fatia do estado da Califórnia (...). Temos também uma presença significativa de investidores brasileiros e de outras regiões da América do Sul e, após o Brexit, houve um aumento no número de clientes do Reino Unido. Prestamos igualmente assessoria a clientes do Canadá e também da Ásia, sobretudo Singapura" Quem são, no geral, estes investidores? São particulares, institucionais? De que nacionalidades, sobretudo? 95% dos clientes são internacionais, sendo que mais de 80% são norte-americanos, com a maior fatia do estado da Califórnia, seguida de clientes do estado de Nova Iorque. Temos também uma presença significativa de investidores brasileiros e de outras regiões da América do Sul e, após o Brexit, houve um aumento no número de clientes do Reino Unido. Prestamos igualmente assessoria a clientes do Canadá e também da Ásia, sobretudo Singapura, onde vemos um movimento interessante de empresas com mais maturidade, nomeadamente no setor tecnológico, a verem Portugal como uma porta interessante para o mercado europeu e que abrem aqui subsidiárias. Continua a ser uma tendência a escolha de Portugal por parte de empreendedores que procuram lançar as suas empresas ou startups. Quanto aos setores de atividade e nacionalidades que mais têm recorrido aos nossos serviços, temos assistido a uma diversidade significativa. No entanto, destacam-se especialmente os setores de tecnologia, turismo, imobiliário e serviços financeiros. “Ajudam” ou têm muitos investidores ligados ao imobiliário? Em que segmentos mais investem (habitação, hotelaria, escritórios...)? Até meados de 2023, o grande segmento de investidores era composto por particulares, interessados em investir, tanto para rentabilidade, como para investimento via vistos gold. Quando foi anunciado o termo destes vistos via aquisição direta de imobiliário, o grosso do investimento direcionou-se para os investimentos promovidos pelos fundos de investimento que, apesar da perspetiva economicista, ainda permitiam a aquisição de unidades de participação em fundos imobiliários. Paralelamente, e desde sempre, o interesse pelo investimento em imobiliário para habitação permanente ou secundária manteve-se ao longo destes últimos anos. O maior interesse tem sido, sem dúvida, no mercado habitacional e apenas cerca de um quarto dos investimentos que assessoramos são direcionados para o arrendamento de curta ou longa duração. Freepik Que impacto terá o fim do regime para RNH, nos antigos termos, e dos vistos gold para investimento imobiliário no setor? A verdade é que os estrangeiros já estão a comprar menos casas em Portugal… É verdade que o fim dos vistos gold através de aquisição de imóveis veio abrandar bastante o interesse neste setor. No investimento imobiliário, o investidor tem uma propriedade que pode ou não rentabilizar, sem estar sujeito às volatilidades do mercado ou a políticas externas de uma sociedade gestora e que, a médio prazo, pode até revender, recuperando ou aumentando até o investimento inicial. "O fim dos vistos gold teve um impacto relevante para o abrandamento no setor, via direta e indireta (através dos fundos de investimento). Relativamente ao regime RNH, não vimos que tivesse um impacto imediato no setor imobiliário em termos de aquisição" O fim dos vistos gold teve um impacto relevante para o abrandamento no setor, via direta e indireta (através dos fundos de investimento). Relativamente ao regime RNH, não vimos que tivesse um impacto imediato no setor imobiliário em termos de aquisição. Muitos investidores que decidem vir para Portugal, inicialmente por razões profissionais, familiares e fiscais, nem sempre adquirem uma casa de imediato. Posto isto, o fim do RNH tem mais impacto na decisão dos clientes virem viver e trabalhar ou não em Portugal e apenas a médio prazo se refletirá no setor imobiliário. Acabar e/ou restringir estes programas terá impacto na crise na habitação que se vive em Portugal? É um tema bastante complexo e, portanto, importa, por exemplo, ter em conta dados do INE, que anunciou que a venda de casas a compradores internacionais caiu cerca de 20% no início de 2024 relativamente ao trimestre anterior. Indica também que, comparativamente, os portugueses passaram a representar quase 94% das transações, a nível nacional, mas não se verificou, até agora, uma descida significativa dos preços. Aliás, o que se verifica é que nas grandes cidades os preços têm-se mantido elevados. Acredito que o impacto maior se verifique nas zonas fora das grandes cidades de Lisboa e do Porto e na zona do Algarve. Sempre que se alteram as regras, é natural que haja um período de refreamento em que os investidores e os vários intervenientes tentam ajustar-se, avaliar o impacto das mudanças e criar alternativas. Os beneficiários de RNH e vistos gold poderiam ajudar a aumentar a oferta de habitação em Portugal, nomeadamente para a classe média? Como? Isso foi feito enquanto os regimes fiscais estiveram em vigor nos antigos moldes? Se analisarmos os centros das grandes cidades há uns anos, concluímos que se encontravam bastante degradados, com uma série de prédios devolutos, sendo até perigoso andar a pé, à noite, nas ruas da Baixa ou na Invicta, por exemplo. Por isso, não temos dúvida que estes incentivos e a procura no ramo imobiliário por parte dos investidores estrangeiros veio dinamizar muitas zonas das cidades, melhorar os acessos, criar e estimular o comércio local, entre outras melhorias. No entanto, a falta de planeamento a médio e longo prazo que previsse limitações e estratégia na habitação fez com que a situação da habitação se agravasse, sem controlo do mercado do Alojamento Local e da especulação imobiliária. Isto não quer dizer, contudo, que os investidores e beneficiários não possam contribuir para aumentar a oferta de habitação, podendo canalizar-se os investimentos para a construção de custos controlados, promover os incentivos para habitação de renda acessível, entre outras medidas. "Temos clientes investidores interessados em combater este problema [falta de casas], interessados em projetos de residências de estudantes, em iniciativas relacionadas com a (re)construção de imóveis com rendas acessíveis para as famílias, em poderem fazer parte de projetos que ajudem as comunidades locais" Temos clientes investidores interessados em combater este problema, interessados em projetos de residências de estudantes, em iniciativas relacionadas com a (re)construção de imóveis com rendas acessíveis para as famílias, em poderem fazer parte de projetos que ajudem as comunidades locais. Se forem criadas medidas habitacionais concretas e com um plano estável e seguro a médio-longo prazo, acredito que existirão bastantes investidores interessados. Já temos clientes interessados em saber mais sobre as medidas anunciadas pelo Governo. Foto de Kampus Production on Pexels O Governo anunciou, entretanto, a criação de um novo visto gold “solidário” para apoiar imigrantes. É uma boa medida, tendo em conta o que já se sabe sobre o tema? Criar medidas de impacto social que, através de investimento estrangeiro, permitam o desenvolvimento de equipamentos e infraestruturas de acolhimento, projetos de integração social e apoio a imigrantes em situação de vulnerabilidade, serão sempre boas medidas. Do lado do investidor, pode ser uma medida positiva se for dentro de um plano estruturado, claro e seguro, e transmitir ao investidor que a meio do processo as regras não vão mudar. Este saberá com clareza no que vai investir e em que termos. Existem vários investidores interessados no setor filantrópico, por exemplo. Do lado dos imigrantes, teriam acesso, de uma forma mais célere e eficaz – pelo menos com meios para a implementação das medidas –, às oportunidades no mercado laboral, às condições de acolhimento dos emigrantes e também das suas famílias. É uma medida que também poderá causar impacto no setor imobiliário e da construção? Causará seguramente impacto no setor imobiliário, sobretudo na colmatação da inexistência de habitações a preços acessíveis e no arrendamento jovem, seja para aqueles que procuram casa, seja para os que estudam fora da residência dos pais. Permitir este tipo de acesso e solução habitacional poderá ajudar a nivelar e ajustar os preços da habitação para a maioria das famílias portuguesas. Noutra vertente, ao termos políticas de custos controlados, poderá implicar que os empreiteiros e empresas de construção alinhem os custos e orçamentos pelos trabalhos de construção e fiscalização. Desde a pandemia que os preços e custos dos materiais de construção e mão de obra quase duplicaram. Sabemos que em muitos casos as empresas não possuem mão de obra qualificada disponível, o que contribui para encarecer o custo. Contudo, isso não justifica os aumentos exponenciais que se têm verificado. Sinta-se à vontade para acrescentar qualquer informação que considere pertinente. Acredito que a resolução da crise de habitação carece de uma visão holística que cruze a capacidade da economia, dos meios e recursos que possuímos com o tipo de investimento e financiamento que poderemos obter e qual o seu impacto e retorno a médio e longo prazo. Temos consciência que regulamentar os termos de acesso e concessão pode ser um desafio, mas é possível canalizar o investimento para colmatar necessidades sociais e de habitação. "(...) Os investidores gostam de Portugal e estão dispostos a investir sob as mais diversas formas e mesmo a médio/longo prazo. O relevante nestes processos é que os investidores sintam que estão a 'negociar' com um Governo (e entidades) fiável e seguidor da lei, dos termos e prazos e que cumpre com a sua parte (...)" Ao longo destes anos, temos percebido que os investidores gostam de Portugal e estão dispostos a investir sob as mais diversas formas e mesmo a médio/longo prazo (os vistos gold obrigam a manter um investimento mínimo de cinco anos, por exemplo). O relevante nestes processos é que os investidores sintam que estão a “negociar” com um Governo (e entidades) fiável e seguidor da lei, dos termos e prazos e que cumpre com a sua parte. Havendo esta confiança, como se exige de todos os negócios no geral, as novas medidas terão a rampa de lançamento assegurada para o sucesso da sua implementação. Freepik Fonte: Idealista Partilhar artigo FacebookXPinterestWhatsAppCopiar link Link copiado