Casas novas: licenças a cair com simplex, incerteza e menor construção

Revisão da "via verde" dos licenciamentos deve ser rápida para se construir mais casas, alertam especialistas ao idealista/news.
06 ago 2024 min de leitura

simplex dos licenciamentos urbanísticos chegou ao mercado no início de 2024 com a promessa de acelerar a emissão de licenças de casas e eliminar processos burocráticos na construção. Mas, cerca de oito meses depois, o mercado depara-se com uma descida na licença de casas novas na ordem dos 10%. Os especialistas em imobiliário ouvidos pelo idealista/news não têm dúvidas de que a menor dinâmica na construção, a falta de confiança dos investidores e a instabilidade legislativa estão por detrás desta queda. E apontam também o dedo ao diploma do simplex que foi “mal feito”, estando agora o mercado à espera que seja revisto e regulamentado pelo atual Governo. Para já, as dúvidas que pairam sobre as autarquias e projetistas são muitas, havendo mesmo dificuldades de adaptação às novas regras de licenciamento urbano, o que acaba por atrasar a construção de casas e o aumento de oferta de habitação a preços acessíveis.

  1. Licenças de casas novas estão a cair: porquê?
  2. Autarquias e projetistas com dificuldades em aplicar simplex
  3. Simplex urbanístico vai ser revisto: que mudanças são necessárias?

Quando o simplex dos licenciamentos urbanísticos chegou ao mercado no arranque de 2024, pela mão do anterior Governo de António Costa, foi aplaudido pela fileira da construção e do imobiliário, embora tenha logo apontado vários riscos e pontos que mereciam ser revistos. Mas, até ao momento, o objetivo do simplex não está a ser cumprido. É o que diz o presidente da Ordem dos Arquitectos ao idealista/news. Embora admita que a “intenção do simplex foi boa”, Avelino Oliveira considera que o diploma ainda “está longe” de simplificar os processos de licenciamento urbanísticos, porque nem os municípios, nem os projetistas estão a conseguir implementar a nova legislação, que apresenta prazos “impossíveis de cumprir”.

“O processo de construção e reabilitação tem de ser mais simples, mais rápido e dar confiança às pessoas”, diz Avelino Oliveira, presidente da Ordem dos Arquitectos

Também Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), diz que o “setor [da construção] considera que há diversas soluções positivas no simplex que permitem conferir maior simplificação, celeridade e eficiência aos licenciamentos”. Mas alerta que “o diploma carece de ajustes, revendo-se e corrigindo-se as soluções que se encontram desadequadas”.

O mesmo afirma Hugo Santos Ferreira, presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII): “O simplex urbanístico, quando implementado no seu todo, poderá vir a ser uma verdadeira via verde para mais habitação”. Mas, neste momento, o diploma “atravessa uma fase de regulamentação, aprofundamento e aperfeiçoamento da legislação de desburocratização e simplificação administrativa urbanística”, que foi apresentada pelo Governo de Montenegro a 10 de maio, estando prevista a sua conclusão em 90 dias.

E a verdade é que este o próprio ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, já veio a público admitir que “há atrasos” na revisão do simplex urbanístico devido à realização de duas rondas de auscultações de entidades do setor. “Temos de deixar de alterar leis sem essa discussão”, defendeu Pinto Luz, apontando a revisão do simplex durante o mês de agosto.

Revisão do simplex dos licenciamentos
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Licenças de casas novas estão a cair: porquê?

O que salta à vista é que o simplex dos licenciamentos urbanísticos não está, para já, a cumprir o seu objetivo principal: colocar mais casas no mercado. A Síntese Estatística da Habitação da AICCOPN, publicada no final de julho, mostra que estão a ser licenciadas menos casas em 2024. Em concreto, entre janeiro e maio, foram emitidas um total de 7.174 licenças para obras de construção nova ou de reabilitação de edifícios residenciais, menos 9,4% face ao período homólogo. E também houve uma redução de 10,2% no número de casas licenciadas em construções novas para 12.922 fogos.

Questionados sobre o que pode explicar a descida das novas licenças de casas nos primeiros meses de 2024, os especialistas explicam ao idealista/news que há vários fatores que estão a ter impacto nos licenciamentos da habitação em Portugal:

  • Construção de casas está a cair há anos: para o presidente da APPII, um dos fatores que explica esta redução da emissão de licenças prende-se com a “tendência que se vem verificando nas últimas décadas de construirmos cada vez menos”. O que, por sua vez, tem que ver com “a elevada fiscalidade incidente sobre a construção e imobiliário”, acrescenta Manuel Reis Campos;
  • Falta de confiança e instabilidade legislativa: depois, “a falta de confiança e instabilidade legislativa - que é normal num período eleitoral como o que vivemos no início do ano -, causou um efeito suspensivo no mercado, resultando numa retração no investimento e consequentemente numa redução de novos fogos”, analisa Hugo Santos Ferreira. O presidente da AICCOPN também acredita que a “falta de confiança dos investidores” estará por detrás da queda nas licenças na habitação. E aponta o dedo ao Mais Habitação que “provocou desconfiança” e “repercussões evidentes no investimento privado” com várias medidas polémicas (como o fim dos vistos gold e o arrendamento coersivo, por exemplo). Além disso, Manuel Reis Campos admite que com o simplex “passou a existir um risco acrescido para os investidores, agravado pela vastidão dos requisitos técnicos e urbanísticos que se encontram dispersos por inúmeros diplomas legais”. Mas também refere que o programa Construir Portugal do novo Governo não veio melhorar a situação perante o incumprimento de prazos e a “falta de medidas suficientes para alterar rapidamente a atual situação do mercado da habitação”, acrescenta. Por exemplo, o IVA a 6% na construção nova, que é “a única medida capaz de contrariar o aumento dos custos de construção e aumentar a oferta de habitação”, só estará em vigor até ao final da legislatura;
  • Simplex atrasa licenças de casas: para o presidente da Ordem dos Arquitectos, “o que justifica a descida de licenças é uma legislação mal feita, sem ser articulada com quem conhece a realidade”. Como não foi previsto um período de transição do simplex, o mercado está a criá-lo “artificialmente”. Por um lado, “os técnicos não apresentam os projetos sem a segurança de evitar litígios e, por outro, as entidades licenciadoras (câmaras municipais) não licenciam quando têm dúvidas ou quando não está tudo rigorosamente adequado, mesmo que alguma dessa documentação dependa delas próprias ou do Estado”, acrescenta Avelino Oliveira. E antecipa ainda que “iremos ter um período de redução de licenças que se vai estender pelo resto do ano de 2024”.
Licenças de casas novas em Portugal
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Autarquias e projetistas com dificuldades em aplicar simplex

O que se está a sentir hoje entre arquitetos, projetistas, engenheiros e nas próprias câmaras municipais é que o simplex dos licenciamentos urbanísticos está a ser difícil de implementar. E, por isso, esperam agora que o diploma seja corrigido e regulamentado para facilitar esta adaptação e, assim, agilizar a emissão de licenças de casas novas e de edifícios residenciais.

“Na presente data, as alterações que resultaram do simplex urbanístico estão ainda a ser assimiladas pelos diversos intervenientes do setor, sendo que os municípios divergem na aplicação da nova legislação e a própria regulamentação do diploma poderá ter suscitado ainda mais dúvidas”, alerta a Ordem dos Engenheiros em comunicado.

Também o presidente da Ordem dos Arquitectos avisa que “o mercado não está a reagir bem” ao simplex, tendo-se criado “mais riscos” e “muita incerteza no setor”. “Esta legislação tem algo em que aproximou o setor público e privado: transversalmente gerou imensas dúvidas e inquietações quer nas entidades licenciadoras, quer nos projetistas”, acrescenta. Por um lado, os municípios não conseguiram ainda “solidificar a implementação das práticas nesta nova legislação, porque os prazos estão a ser incumpridos tanto ou mais do que no período anterior ao simplex”. E, por outro, os projetistas (que passaram a ter mais responsabilidades) não estão a conseguir aplicar as novas regras “com sucesso”, apesar de terem tido “formação jurídica especializada para perceber a legislação”.

A própria vereadora do Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa, Joana Almeida, confessou em entrevista ao idealista/news que o simplex “veio introduzir alguma incerteza e provocar muitas dúvidas”, até porque a própria autarquia da capital já estava “a fazer antecipadamente a sua própria versão do simplex, uma simplificação realista e com conhecimento profundo da realidade e necessidades municipais".

É precisamente perante tantas dúvidas que os especialistas reclamam que o simplex dos licenciamentos urbanísticos seja revisto pelo novo Governo o mais depressa possível. “O setor está à espera para que o simplex seja corrigido como o Executivo mostrou intenção de fazer”, comenta Hugo Santos Ferreira, salientando que “é vital avançar rapidamente com a sua completa implementação. O mercado não pode esperar mais, os promotores não podem esperar. Urge avançar já. Se não o estabilizamos, mais demorarão as autarquias e as empresas a implementar, a adequar e a simplificar os seus processos de trabalho”, alerta o presidente da APPII. Também Avelino Oliveira defende que, no curto prazo, “o simplex tem de ser corrigido para não prejudicar o interesse público”.

Simplex dos licenciamentos urbanísticos
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Simplex urbanístico vai ser revisto: que mudanças são necessárias?

A revisão e regulamentação do simplex dos licenciamentos está em curso pelo novo Governo, embora esteja “atrasada”, tal como admitiu o ministro da Habitação no final de julho. Mas quais são os principais pontos que devem mudar? Estas são as sugestões de melhoria do simplex defendidas pelos especialistas de mercado ouvidos pelo idealista/news:

  • Código da Construção deve ser elaborado e entrar em vigor o quanto antes;
  • Desenvolvimento da plataforma eletrónica dos procedimentos urbanísticos (PEPU), que vai uniformizar processos nas câmaras municipais, por exemplo;
  • Repor a obrigação de apresentar Ficha Técnica da Habitação na hora de comprar casa: a Ordem dos Engenheiros considera que esta medida “deveria ser alvo de revisão e resposta a sua obrigatoriedade como documento final de fecho de obra”, considerando que a Ficha Técnica da Habitação é uma “mais valia em processos de aquisição de habitação”;
  • Comunicação prévia com opção de licenciamento: “Deverá estabelecer-se a reposição da possibilidade de, nas operações urbanísticas sujeitas a comunicação prévia, o interessado poder optar pelo regime de licenciamento”, defende o presidente da AICCOPN;
  • Revisão dos prazos de deferimento tácito: segundo o presidente da Ordem dos Arquitectos houve “falta de rigor” no simplex quanto aos prazos de deferimento tácito. “No caso de projetos até 2 mil e poucos m2, o limite temporal são 150 dias úteis. E para construções acima disso são 200 dias, mas corridos. Acontece que os 150 dias úteis resultam em mais dias corridos do que o prazo dado ao escalão superior”, alerta Avelino Oliveira;
  • Revisão da isenção do controlo prévio em obras: a Ordem dos Engenheiros diz que “deve haver sempre acompanhamento da obra por um engenheiro mesmo em obras de escassa relevância urbanística, através de reconhecimento do exercício profissional da atividade respetiva”;
  • Fiscalização e controlo municipal: se se mantiver o impedimento de apreciação e aprovação de projetos pelos municípios, a Ordem dos Engenheiros considera “importante que sejam criadas condições para que os municípios possam atuar ao nível da fiscalização e controlo”.
Simplex dos licenciamentos revisto
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Assim, Manuel Reis Campos admite que “há diversos aspetos que terão de ser corrigidos e alterados” no simplex urbanístico, de forma a “ser encontrado um equilíbrio entre a simplificação administrativa e a garantia da qualidade técnica e construtiva, uma vez que é significativamente reduzida a participação da administração nos processos de licenciamento”. Por outro lado, considera que é precisa “uma rápida e forte adaptação das câmaras municipais às novas regras, as quais terão de ser capazes de dar resposta às soluções legais adotadas, sob pena de, na prática, não ser possível concretizar os objetivos que motivaram a aprovação do simplex”.  

Claro está que, “o problema da falta de habitação é estrutural e não se resolve apenas com uma maior celeridade no licenciamento das operações urbanísticas, apesar de ser muito benéfica”, lembra o presidente da AICCOPN. Para colocar mais casas no mercado (e a preços compatíveis com os rendimentos dos portugueses) é preciso, desde logo ter estabilidade legislativa e restaurar a confiança dos investidores, sendo a aplicação da taxa reduzida de IVA a 6% a medida que terá “maior impacto” na construção de casas a preços reduzidos, tal como disseram vários especialistas ao idealista/news.

A par de tudo isto, é preciso conjugar o investimento privado com o investimento público em habitação, com a construção de 26 mil casas com as verbas do Plano de Recuperação e Resiliência e ainda com a disponibilização de imóveis e terrenos pelo Estado, aponta Reis Campos. Além disso, a Ordem dos Arquitetos defende “um Plano de Fiscalidade Verde bem desenvolvido; permitir o desconto em sede de IRS e IRC de matérias ligadas à beneficiação de edifícios; e, em conformidade com a legislação europeia, criar um Bilhete de Identidade dos edifícios que envolva as questões todas da arquitetura e da engenharia e não apenas uma certificação energética com uma escala de letras”.


Fonte: Idealista

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